sábado, abril 15, 2006

V de vingança


Um herói mascarado quer transformar uma realidade orwelliana em puro êxtase anarquista. Somente nos sombrios anos 00 isso é possível no cinema. A realidade (?) em questão é uma ditadura vídeo-televisiva em que o conformismo da sala-de-estar e a parede branca da empresa é o horizonte mais longínquo que seres humanos conseguem visualizar. Nada parecido com o despertar do novo milênio.
O revolucionário da Inglaterra do século XVII só poderia ser re-vivido nesses tempos sombrios como um blague. A máscara branca que esconde um rosto é a verdade apresentada num mundo em que a representação só pode ser repetição. O mascarado parece ser o único ali a portar o passado, talvez por isso se empenhe tanto em destruir o eterno presente. Para esse fabuloso intento pratica os mais (ir)reais assaltos ao conformismo de família que reina a ficticia Inglaterra (nova potência vitoriana pós-queda do antigo império americano). Assaltar o tempo televisivo é a grande audácia que somente um terrorista poderia cometer, invadir a sala-de-estar e explodir algo na frente das crianças (nada que se pareça com um tal atentado terrorista espetacular dos anos 00).
Uma revolução instigada por um terrorista através do espetáculo televisivo, quem não sonhou com isso que atire a primeira pedra. Os irmãos Wachowski parecem delirar com tal possibilidade, e fazem os espectadores delirarem junto. Um filme apoteótico que reverencia a indústria do cinema e ainda explora a velha máxima de que o cinema é um sonho coletivo - lembrando que os sonhos também são desejos não realizados na vigília. Portanto, a revolução anticonformista é a realização em imagens daquilo que só o mais louco dos loucos poderia fazer, a pessoa comum. O sonho coletivo de levantar da poltrona e se atirar ao mundo para fazer tudo aquilo que só os sonhos poderiam realizar. Olha aí a repetição novamente: o sonho realiza o sonho. E o melhor, em imagens, sons, cores, movimentos fantásticos e, claro, com uma trilha sonora impecável (com direito à realização do sonho de Bakunin, o anarquista que queria ver a destruição ao som do Der fliegende Holländer [O Holandês Voador] de Wagner). Isso tudo nem George Orwell sonhou.

9 Comments:

Anonymous Anônimo said...

agora meu heroi preferido

20:52  
Blogger Unknown said...

Vc captou muito bem o espírito da estória por trás do filme. Muito boa sua resenha, parabéns.

23:55  
Anonymous Anônimo said...

ouvi dizer que o filme é meio pipocão e não tem nada a ver com a HQ. procede?

00:17  
Blogger Unknown said...

Cara,
mudei as cores para que possas ler.

Que coisa mágica encontrar um blog tão poeta como esse!

Desde que me mudei de Goiânia não encontrava tanta arte em forma de letras.

Minha vivência atual torna-se pálida frente a tanta intensidade!

Quanto ao filme do post, bem, não o vi. Aliás, acho que nem está nos circuitos de minha cidade.

“Quero logo partir e viver longe, perto da lagoa, onde ouvirei somente o vento murmurando entre os juncos. Será uma vitória, ter-me deixado a mim mesmo para trás. Meus amigos me perguntam o que farei, ao chegar lá? Não será ocupação bastante observar o desenrolar das estações?”
Se é demias, não sei. Para mim mostra-se suficiente.

11:28  
Blogger Unknown said...

A citação peguei aqui mesmo, cara, num post mais antigo teu.
Sou péssima para nomes, etc.
Boa sorte na monografia, tive um par de amigos afogados neste mar de letras. É horrível, mas todos eles sobreviveram sem grandes lesões.
Afeto,
Junia

12:03  
Anonymous Anônimo said...

Assisti o filme ontem. Pelo que andei lendo, não é fiel à HQ (que estou seriamente considerando a aquisição). Alan Moore, o pai da história, nem quis ter seus nomes nos créditos. Concordo contigo, tem os vícios do chamado "pipocão", pois, acima de tudo, alguém precisa lucrar com a exposição, mas é um filme de qualidade.
Se funciona mais assim do que com uma produção modesta, exibida no circuito alternativo, sinceramente, eu não sei. Quando filme acabou, vi alguns jovens rindo satisfeitos, outros falando em explodir o Congresso, mas no final, vão tirar as meias e comer até dilatarem seus estômagos. Numa sala de arte, os cults (pseudo ou não) fariam o mesmo, só que petiscando um carpaccio e tomando chardonnay. O entretenimento é engraçado, nos faz trocar nossas ações por emoções e senta de uma vez todas as bundas no sofá da sala.

11:22  
Anonymous Anônimo said...

mas é arte, né? não tem nenhuma função por si só.

e, claro, Alan Moore só tem um nome.

11:28  
Anonymous Anônimo said...

Your website has a useful information for beginners like me.
»

10:44  
Anonymous Anônimo said...

I'm impressed with your site, very nice graphics!
»

16:02  

Postar um comentário

<< Home